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Gotlieb, N.. Teoria do Conto


criado em 05/03/2015, 09h04m.

frases anotadas

modo de narrar caracterizado, em princípio, pela própria natureza desta narrativa: a de simplesmente contar estórias.

história do conto, nas suas linhas mais gerais, pode se esboçar a partir deste critério de invenção, que foi se desenvolvendo. Antes, a criação do conto e sua transmissão oral. Depois, seu registro escrito. E posteriormente, a criação por escrito de contos, quando o narrador assumiu esta função: de contador-criador-escritor de contos, afirmando, então, o seu caráter literário.

só se afirma enquanto contista quando existe um resultado de ordem estética, ou seja: quando consegue construir um conto que ressalte os seus próprios valores enquanto conto, nesta que já é, a esta altura, a arte do conto, do conto literário. Por isso, nem todo contador de estórias é um contista.

Estes embriões do que pode ser uma arte só se consolidam mesmo numa obra estética quando a voz do contador ou registrador se transforma na voz de um narrador: o narrador é uma criação da pessoa; escritor, é já “ficção de uma voz”,

para cada gênero um público e um repertório de procedimentos ou normas a ser usado

fábula é a estória com personagens animais, vegetais ou minerais, tem objetivo instrutivo e é muito breve. E se a parábola tem homens como personagens, e se tem sentido realista e moralista, tal como a fábula, o sentido não é aparente e os detalhes de personagens podem ser simbólicos.

chaves do conto, como se verá adiante (o impulso único, a tensão unitária, o efeito preciso e inesperado).

o que faz o conto — seja ele de acontecimento ou de atmosfera, de moral ou de terror — é o modo pelo qual a estória é contada.

Em literatura a ordem dos fatores altera profundamente o produto”.

O conto maravilhoso ... permanece através dos tempos, recontada por vários, sem perder sua “forma” e opondo-se, pois, à “forma artística”, elaborada por um autor, única, portanto, e impossível de ser recontada sem que perca sua peculiaridade. ... não pode ser concebido sem o elemento “maravilhoso” que lhe é imprescindível. As personagens, lugares e tempos são indeterminados historicamente: não têm precisão histórica. ... obedece a uma “moral ingênua”, que se opõe ao trágico real. (m.c.: no conto artístico a forma é o elemento determinante; no conto maravilhoso, o enredo)

conto literário. Porque a novela leva a marca do eu criador, é produto de uma personalidade em ação criadora, que tenta representar uma parcela peculiar da realidade, segundo seu ponto de vista único, compondo um universo fechado e coeso,

alimentada por um “acontecimento impressionante”, ... mais exatamente, a impressão de que esse incidente é mais importante do que as personagens que o vivem”.

O conto simples, ou maravilhoso, e o conto artístico – que era chamado, a princípio, novela toscana e de moldura — são, pois, duas realidades narrativas diferentes.

Propp encontra também sete personagens, cada uma com sua “esfera de ação”, que são: o antagonista ou agressor, o doador, o auxiliar, a princesa e seu pai, o mandatário, o herói e o falso herói.

função seria, então, “a ação de uma personagem, definida do ponto de vista do seu significado no desenrolar da intriga”

funções que Propp enumera,

ausência de um dos membros da família (o Chapeuzinho), que é a primeira função determinada por Propp. E há também uma ordem que lhe é dada (pela mãe); o engano da vítima (pelo lobo, que irá devorá-la); a salvação do herói (pelo caçador); a punição do antagonista (morte do lobo).

forma fundamental do conto, que está ligada, aliás, às suas origens religiosas,

Propp reconhece duas fases na evolução do conto. Uma primeira, sua pré-história, em que o conto e o relato sagrado — conto/mito/rito — se confundiam. Entende mito no sentido de “relato sobre a divindade ou seres divinos em cuja realidade o povo crê” (p. 30). E rito, tal como costume e segundo Engels, ou seja, como “atos ou ações cuja finalidade é operar sobre a natureza e submetê-la”. ... “o relato faz parte do cerimonial, do rito, está vinculado a ele e à pessoa que passa a possuir o amuleto; é uma espécie de amuleto verbal, um meio para operar magicamente o mundo”

Em algumas tribos, o relatar implicava sacrificar uma parte da vida do narrador, apressando-lhe o final. Portanto, se não quisesse morrer, não contava. E se não se importasse mais com a morte, contava.

dois ciclos ritualísticos: o da iniciação e o das representações da morte, os quais, por vezes, se confundem

Greimas, examinando a distribuição dos papéis determina três tipos de “categorias atuacionais” ou três tipos de relações das personagens em função de uma ação: sujeito vs. objeto, destinador vs. destinatário, adjuvante vs. oponente. ... acaba por reduzir as funções a duas: a ruptura da ordem e a alienação; e a restituição da ordem. ... Determina a seqüência elementar, num grupo de três funções: uma que abre a possibilidade do processo, uma que realiza tal possibilidade e uma que conclui o processo, com sucesso ou fracasso.

Boris Eikhenbaum, ... definição entre novela (ou conto) e romance. Pois observa que estas duas formas nada têm a ver uma com a outra. Têm origens diferentes. O romance vem da história e do relato de viagens. A novela, do conto (maravilhoso?) e da anedota.

Do conto maravilhoso ao moderno: ... O que houve na sua “história” foi uma mudança de técnica, não uma mudança de estrutura: ... arte clássica (do período greco-latino) e a de seus imitadores (da Renascença, no século XVI; ou do Classicismo no século XVII) tinham eixos fixos que determinavam os valores da arte, como os do equilíbrio e harmonia, ... novos tempos, ... Revolução Industrial ... caráter de Unidade da vida e, conseqüentemente, da obra, vai se perdendo. Acentua-se o caráter da fragmentação dos valores, das pessoas, das obras.

Uma delas era esta: a de se obedecer à ordem de início, meio e fim ... desvinculada de um antes ou um depois (início e fim), ... tantas configurações quantas são as experiências de cada um,

Antes, havia um modo de narrar que considerava o mundo como um todo e conseguia representá-lo. Depois, Perde-se este ponto de vista fixo; ... duvidar do Poder de representação da palavra: ... O que era verdade para todos passa ou tende a ser verdade para um só. Neste sentido, evolui-se do enredo que dispõe um acontecimento em ordem linear, para um Outro, diluído nos feelings, sensações, percepções, revelações ou sugestões íntimas. .

mudança na natureza do incidente, ... passa-se a uma aventura da mente, ao clímax a partir de elementos interiores da personagem

A unidade de efeito (Poe) ... preciso dosar a obra, de forma a permitir sustentar esta excitação durante um determinado tempo. ... que pode ser lido com atenção em uma hora. ... (difere do) romance, pois este, “como não pode ser lido de uma assentada, destitui-se, obviamente, da imensa força derivada da totalidade. ... “no conto breve, o autor é capaz de realizar a plenitude de sua intenção, seja ela qual for.

tendo o contista “concebido, com cuidado deliberado,  um certo efeito único e singular a ser elaborado, ele então inventa tais incidentes e combina tais acontecimentos de forma a melhor ajudá-lo a estabelecer este efeito preconcebido.

característica básica na construção do conto: a economia dos meios narrativos. Trata-se de conseguir, com o mínimo de meios, o máximo de efeitos.

melhor forma de elaborar tal efeito, seja através do incidente ou do tom: ... manter a tensão sem afrouxá-la, para não dar ensejo a interrupções.

“Há um claro limite, quanto à extensão, para todos os trabalhos de arte literária — o limite de uma única assentada”

“todo enredo, digno desse nome, deve ser elaborado para o desfecho, antes de se tentar qualquer coisa com a caneta.

Julio Cortázar bem resumiu o conceito de conto em Poe: “Um conto é uma verdadeira máquina literária de criar interesse”.

acontecimento como sendo o grande instrumento de causar interesse no leitor de Poe: “No conto vai ocorrer algo, e esse algo será intenso

eficácia de um conto depende de sua intensidade como acontecimento puro, isto é, que todo comentário ao acontecimento em si (. .) deve ser radicalmente suprimido

esta coisa que ocorre deve ser só acontecimento e não alegoria (...) ou pretexto para generalizações psicológicas, éticas ou didáticas” ... primam pela racionalidade.

mediante a técnica do suspense, retarda a resolução da ação e, assim, causa “perturbação lógica”, que é “consumida com angústia e prazer”,

novela ou conto termina num clímax, enquanto que, no romance, o clímax “deve encontrar-se em algum lugar antes do final”, e termina por epílogo ou falsa conclusão.

três características: 1. a unidade de construção; 2. o efeito principal no meio da narração; 3. o forte acento final.

em contos é melhor não dizer o suficiente que dizer demais,

Tchekhov-contista avança no sentido de libertar o conto de um dos seus fundamentos mais sólidos: o do acontecimento.

abre as “brechas” para toda uma linha de conto moderno, em que às vezes nada parece acontecer.

E afasta-se também do conto de simples acontecimento, tal como o conjunto dos contos de Maupassant. Porque os contos de Maupassant trazem o acontecimento que flui, naturalmente, sem nada de excepcional.

Alguns contos seus não crescem em direção a um clímax. Ao contrário, mantêm um tom menor, às vezes por igual no decorrer de toda a narrativa.

Virginia Woolf, que procura as razões desta força da literatura russa, a encontre no modo pelo qual ela transforma a “alma” torturada em principal personagem, numa mistura surpreendente de beleza e vilania, de mesquinharia e dignidade.

possibilita essa fabulosa abertura do pequeno para o grande, do individual e circunscrito para a essência mesma da condição humana

Assim como para Poe o conto depende de um efeito único ou impressão total que causa no leitor, para outros, é o próprio conto que representa um momento especial em que algo acontece. No entanto, surgem dúvidas com relação ao que venha a ser esse momento especial. Tratar-se-ia, aqui, do momento da leitura, tal como era para Poe? Ou do momento ou tempo em que acontece algo para a personagem, no nível do enunciado? Ou, ainda, do momento ou tempo experimentado pelo narrador, estabelecendo, portanto, relação com o tempo do seu discurso de narrador, ou com a enunciação? 

conto é o que traduz uma mudança, de caráter moral, de atitudes ou de destino das personagens, e que provoca uma realização do leitor, através destas mudanças:

que o conto mostra é justamente a ausência de mudança e de crise. E se a crise existe, por vezes é notada pelo leitor, não pela personagem.

no conto nada acontece, isto é, o que acontece é este nada acontecer. A monotonia do relato e a mesmice do cotidiano substituem, então, o que seria a dinâmica do processo de evolução de uma mudança.

“seja ou pareça-nos realmente um ‘caso’ considerado pela novidade, pelo repente, pelo engraçado ou pelo trágico” —

o conto como um modo narrativo propício a flagrar um determinado instante que mais o especifique. Neste caso, não haveria o acompanhar por muito tempo esta evolução,

Epifania, tal como a concebeu James Joyce, é identificada como uma espécie ou grau de apreensão do objeto que poderia ser identificada com o objetivo do conto, enquanto uma forma de representação da realidade. ... modo de se ajustar um foco ao objeto, pelo sujeito. ... No momento em que o foco é ajustado, o objeto é epifanizado. Ora, é nesta epifania que reside para mim a terceira qualidade, a qualidade suprema do belo”
se por um lado o miolo do conto consiste nesta experiência de caráter místico (enquanto revelação), gnóstico (enquanto conhecimento) ou filosófico (enquanto crise existencial), e até estético (enquanto percepção recriadora do mundo), o fato é que tal experiência, de índole moderna (enquanto consagração de um momento especial de vida interior), se insere numa estrutura rigorosamente clássica na sua estrutura linear, em três tempos:  1. o início (Ana vai às compras e aparece envolvida na rotina doméstica); 2. o desenvolvimento (Ana mergulha na experiência de crise desde quando vê o cego até fugir correndo do Jardim Botânico); 3. o final (Ana volta para a rotina doméstica).

justamente por esta capacidade de corte no fluxo da vida que o conto ganha eficácia,

romance, conforme a crítica marxista de G. Lukács, pressupõe privacidade para a sua curtição pela classe burguesa e marca o apogeu da cultura individualista,

conto: foi durante muito tempo o “romance condensado”, que precisava de um assunto complexo (tal como o romance) e dependia do modo como a condensação era levada a efeito. Faltava, pois, ao conto o que o caracteriza — a “simplicidade heróica”, e certas características que Bowen salientava na seleção que fez de contos para o volume The faber book: a completude, a espontaneidade, a capacidade de situar o homem na sua solidão, na consciência de ocupar um lugar sozinho na realidade. 

O conto, segundo o autor, visa satisfazer o leitor solitário, individual, crítico, porque nele não há heróis com os quais este possa se identificar, tal como acontece no romance, em que esta solidão é de certa forma amenizada ou desaparece, na medida em que compartilha as ações do herói e se identifica com ele.

conto, cuja ênfase podia recair no enredo, na personagem, na forma simbólica, ... gênero novo, produto do século XIX, ...

diferença entre conto e romance que não é só de extensão, mas de natureza: o conto tem uma unidade de impressão, ... por que tal unidade ocorre? Por causa da singularidade dos elementos que compõem a narrativa do conto: o conto é o que tem unidade de tempo, de lugar e de ação. O conto é o que lida com um só elemento: personagem, acontecimento, emoção e situação.

o conto não precisa do tema do amor,

o que conta é: concisão e compressão.

no conto sempre algo acontece. O assunto é de extrema importância,

preconceito contra o conto: seria ele apenas um romance condensado ou, em sentido contrário, um embrião de romance?

O conto desenvolve-se no espírito como um fato pretérito, consumado; o romance, como a atualidade dramática e representativa.

“Enquanto no romance o tempo domina o espaço, no conto a primazia pertence ao espaço sobre o tempo”.

conto, quando as ações são apresentadas de um modo diferente das apresentadas no romance: ou porque a ação é inerentemente curta, ou porque o autor escolheu omitir algumas de suas partes. A base diferencial do conto é, pois, a contração: o contista condensa a matéria para apresentar os seus melhores momentos. Pode haver o caso de uma ação longa ser curta no seu modo de narrar, ou então ocorrer o inverso.

recursos narrativos favoráveis a este intento de seleção, mediante omissão, expansão, contração e pontos de vista.

recortar um fragmento da realidade, fixando-lhe determinados limites, mas de tal modo que esse recorte atue como uma explosão que abre de par em par uma realidade muito mais ampla”.

“Um conto é significativo quando quebra seus próprios limites com essa explosão de energia espiritual que ilumina bruscamente algo que vai muito além da pequena e às vezes miserável história que conta”

tempo e o espaço do conto têm de estar como que condensados, submetidos a uma alta pressão espiritual e formal para provocar essa ‘abertura’

Conto e poesia têm a mesma origem, enquanto arte que “nasce de um repentino estranhamento, de um deslocar-se que altera o regime ‘normal’ da consciência

a eficácia e o sentido do conto ... “dependem destes valores que dão um caráter específico ... a tensão, o ritmo, a pulsação interna, o imprevisto dentro de parâmetros pré-vistos, essa liberdade fatal que não admite alteração sem uma perda irreparável”

“o artista que não se atreve a perturbar com giros ininteligíveis o seu leitor, deve mudar de ofício”.

três qualidades de contistas apresentadas por Tolstoi: sentir com intensidade, atrair a atenção e comunicar com energia os sentimentos.

Machado se situa na história do conto: entre a tradição do conto de acontecimento e o moderno conto de acontecimentos interiores, que são mesmo indevassáveis na sua totalidade.
ENCYCLOPAEDIA V. 51-0 (11/04/2016, 10h24m.), com 2567 verbetes e 2173 imagens.
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